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ENFRENTANDO OS DESAFIOS DA MORATÓRIA DA SOJA E O DESMATAMENTO LEGAL

E como isso afeta a Política, a Economia e o Agronegócio.


Desde 2006, os produtores rurais brasileiros estão sujeitos à moratória da soja, um acordo liderado pela Abiove e Anec para evitar a aquisição de soja cultivada em áreas irregulares na Amazônia. O acordo é apoiado por diversas entidades governamentais e organizações não governamentais ambientais. A moratória da soja, desde 2006, foi eficaz na proteção ambiental, mas em 2023, o Conselho da União Europeia implementou um novo regulamento que proíbe a importação de insumos de áreas desmatadas legalmente, incluindo soja. Isso marca uma mudança significativa no cenário, buscando combater o desmatamento nas cadeias produtivas. A partir de 2023, a moratória da soja passou a impedir que produtores rurais que desmataram legalmente desde 2008 vendessem sua produção aos signatários do acordo. Isso não só afeta a competitividade, mas também a soberania nacional, ao adotar critérios europeus e se alinhar com princípios constitucionais de proteção ambiental e função social da propriedade rural.

No estado do Mato Grosso, produtores rurais enfrentam dificuldades na comercialização devido ao conflito entre o desmatamento legal permitido pelo Código Florestal Brasileiro e as restrições da nova legislação europeia. O cruzamento de dados entre os produtores que obtiveram autorização de desmate e as empresas associadas à Abiove e Anec impede a compra da safra desses produtores. Enquanto isso, a legislação brasileira permite o desmatamento legal, especialmente na região amazônica. Apesar das restrições da moratória da soja serem estabelecidas pelo mercado, funcionando como um mecanismo de autorregulação, é importante considerar os limites impostos pelos próprios agentes econômicos privados. Não parece justo que os produtores rurais possam legalmente abrir novas áreas em suas terras conforme a legislação brasileira, apenas para depois serem impedidos de comercializar sua produção devido às exigências da legislação europeia e de um acordo privado do qual não fazem parte.

A análise do problema começa pela questão da propriedade privada. Apesar de ser central, a propriedade privada no direito brasileiro não é absoluta; é limitada pelo cumprimento de sua função social, como previsto no texto constitucional. Para propriedades rurais, conforme o artigo 186 da Constituição, isso inclui o aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente, o cumprimento das leis trabalhistas e a exploração que beneficie tanto os proprietários quanto os trabalhadores. Quanto a essas limitações, o legislador foi incumbido pelo constituinte de impor restrições à propriedade rural, desde que essas restrições sejam adequadas, necessárias e proporcionais. A autonomia do legislador para mediar questões ambientais, estabelecendo critérios específicos de equilíbrio entre a preservação ambiental e outros princípios constitucionais, foi reforçada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 42 (Código Florestal), cuja decisão está pendente de embargos de declaração.

Quando se trata da adequada utilização de recursos naturais e da preservação ambiental, a propriedade privada deve ser interpretada em consonância com a ordem econômica constitucional e com o direito ambiental constitucional, conforme estabelecido no artigo 225 da Constituição. A necessidade constante de equilibrar a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico requer que a legislação defina critérios capazes de determinar o que constitui, no Brasil, o desenvolvimento sustentável. O Código Florestal (Lei 12.651/2012) tem como objetivo o desenvolvimento sustentável, buscando estabelecer normas que atendam ao dever constitucional de preservar o meio ambiente sem negligenciar o objetivo constitucional de promover o desenvolvimento econômico. Um dos princípios fundamentais do Código Florestal é a valorização da atividade agropecuária e do papel das florestas e demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e na presença do país nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia.


Em seu artigo 12, inciso I, o Código Florestal estabelece valores mínimos de Reserva Legal para propriedades na Amazônia, com possibilidades de redução conforme previsto nos parágrafos 4º a 8º, os quais foram declarados constitucionais pelo STF. Essas disposições visam garantir a preservação ambiental enquanto permitem a abertura de novas áreas para atividades agropecuárias. No entanto, é crucial obter autorização dos órgãos ambientais competentes para tal exploração. Quando há um procedimento adequado, incluindo autorização prévia para abrir novas áreas de plantio, respeitando os percentuais mínimos de reserva legal e outras restrições à supressão vegetal, a atividade agropecuária realizada nessas áreas em conformidade com a legislação atende ao princípio do desenvolvimento sustentável, conforme ponderado pelo legislador. Como afirmou o STF, a preservação dos recursos naturais para as futuras gerações não implica na completa ausência de impacto humano na natureza, levando em consideração as necessidades materiais da geração atual e a importância de promover um desenvolvimento econômico que garanta o bem-estar das gerações futuras (ADC 42).

No Brasil, não é viável implementar uma política que proíba toda atividade humana na natureza, pois isso poderia condenar certas regiões pouco exploradas ao subdesenvolvimento econômico. Ao proibir a comercialização de oleaginosas plantadas em áreas desmatadas legalmente após 2008, a moratória da soja, seguindo critérios da União Europeia, equipara o desmatamento legal, sujeito a análise ambiental e em conformidade com o desenvolvimento sustentável, ao desmatamento ilegal, que é repudiado tanto jurídica quanto socialmente, por não considerar as consequências futuras. Mesmo que haja a intenção de equiparar a legislação ambiental brasileira à europeia, é crucial considerar as profundas diferenças históricas e geográficas entre um país de dimensões continentais, com uma exploração econômica capitalista de início tardio, e um continente onde as reservas naturais já estão amplamente exploradas e reduzidas.

Além disso, a moratória da soja é uma iniciativa privada sujeita aos critérios de proteção da ordem econômica e da concorrência. Por envolver os principais comerciantes de soja do país, o acordo deve ser analisado quanto a possíveis infrações à ordem econômica, já que os agentes privados não podem unilateralmente restringir a concorrência ou limitar a aquisição de insumos agrícolas com base em critérios não previstos pela legislação brasileira, conforme estabelecido no artigo 36, § 3º, I, “c”, da Lei nº 12.529/2011. É válido questionar se a imposição de critérios não previstos na legislação brasileira por parte dos principais compradores de soja do país configura uma possível infração à ordem econômica. Além disso, ao considerar a moratória da soja e projetos similares, é importante proibir que esses critérios privados sejam utilizados para desqualificar produtores rurais e impedir que obtenham financiamentos para suas safras, especialmente os provenientes de políticas públicas de apoio ao agronegócio.

Afinal, o legislador já equilibrou os critérios de desenvolvimento econômico e preservação ambiental ao estabelecer em lei as condições para a abertura de novas áreas de exploração agrícola. O fomento agrícola, que envolve a disponibilização de recursos públicos para concessão de crédito com taxas competitivas aos produtores rurais, é um importante instrumento de política pública voltado para o desenvolvimento econômico, segurança alimentar e bem-estar da população. Especificamente, o crédito rural é reconhecido como um instrumento de política agrícola, conforme previsto expressamente na Constituição (artigo 187, inc. I), destacando a sua importância pelo constituinte. A Lei 4.829/1965, ao institucionalizar o crédito rural, já estabelecia como objetivos específicos o estímulo a métodos de produção sustentáveis e a proteção adequada do solo (artigo 3º, inc. IV).


Portanto, os agentes econômicos que fazem parte do sistema nacional de crédito rural, incluindo o Banco do Brasil conforme estabelecido no artigo 7º da Lei 4.829/1965, não podem simplesmente aderir a um acordo privado que restrinja a exploração de terras brasileiras além do que está previsto na legislação e na Constituição. Tal adesão imporia aos produtores rurais ônus indevidos e até mesmo poderia impossibilitar a exploração econômica de suas propriedades. Essa é a interpretação do Superior Tribunal de Justiça, que sumulou o entendimento de que “O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei” (Súmula 298/STJ).

Não se pode esquecer que, apesar de ter características predominantemente mercadológicas, a ordem econômica brasileira também deve respeitar a função social da propriedade e a soberania nacional, como estabelecido no artigo 170 da Constituição. Isso não pode ser alcançado sem garantir o devido apoio ao desenvolvimento rural, que é fundamental para garantir a produtividade competitiva e sustentável das propriedades rurais (função social) e para assegurar a segurança alimentar e territorial (soberania nacional). Portanto, é compreensível que qualquer restrição ao crédito rural resultante da moratória da soja, especialmente quando o Banco do Brasil S.A. adere ao pacto, seja considerada indevida. Nesse contexto, cabe ao produtor rural prejudicado buscar em juízo seu direito ao crédito rural conforme a política agrícola estabelecida.

Em resumo, a moratória da soja, que teve um papel significativo na proteção ambiental desde sua implementação, agora enfrenta novos desafios com a adoção do Regulamento Europeu em 2023. A proibição da importação de produtos provenientes de desmatamento legal imposta pela União Europeia entra em conflito com a legislação brasileira e tem impactos consideráveis. Esse embate não apenas envolve questões ambientais e concorrenciais, mas também levanta preocupações sobre soberania nacional e função social da propriedade rural, conforme estabelecido pela Constituição. O conflito entre a possibilidade de desmatamento legal, conforme o Código Florestal brasileiro, e as restrições europeias evidencia a complexidade desse problema.

Diante desses desafios, é essencial buscar um equilíbrio entre as preocupações ambientais, as necessidades econômicas e os princípios constitucionais, com o objetivo de garantir um desenvolvimento sustentável que respeite a diversidade e as particularidades do contexto brasileiro. Refletir sobre a adequação e a proporcionalidade das medidas adotadas, além de buscar soluções que conciliem os interesses envolvidos, torna-se imperativo para enfrentar os desafios atuais e futuros relacionados à moratória da soja.


DOCUMENTAÇÃO:

~ Sobre à Moratória da Soja, Documento oficial do Conselho Europeu, traduzido:

~Código Florestal, Documento Oficial:


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